quinta-feira, 11 de março de 2010

COMEÇAR




Nada é mais assustador do que uma folha em branco.
É um vazio desesperante que parece indicar o começo de uma tarefa hercúlea. E embora a missão de preencher esse vazio possa ser gratificante, os passos dados são por vezes hesitantes, cautelosos, como quem pede "com licença" antes de entrar na casa de desconhecidos.
Qualquer indivíduo que pretenda criar algo, tem tendência a visualizar o produto acabado em um corpo inerte. O escritor encara a folha em branco, o pintor a tela vazia, o escultor o bloco em estado bruto, o carpinteiro a madeira por limpar, e assim continuamente...
Transformar a nossa intenção criadora em uma força criadora exige esforço, paciência, dedicação. Transpor a ideia para a concretização material é uma combinação entre a desesperança e (paradoxalmente) a fé. E com esses valores, vamos aperfeiçoando a técnica, preenchendo lacunas que anteriormente pareciam tão inacessíveis.
A folha começa a ser preenchida, a tela completa, o bloco lapidado, a madeira limpa, e assim continuamente...
São estes confrontos entre o presente e o porvir que albergam toda a condição do ser humano.
A morte é uma certeza. E uma vez que a morte está relacionada com o vazio, a melhor forma que temos de combater esse vácuo é utilizando a criação.
É por isso que nada é mais assustador do que uma folha em branco. Esta representa que nada existe para dizer, nada existe para fazer, nada existe para viver.
É como um silêncio desconfortável entre dois estranhos, que embora dure apenas alguns segundos, sentimos um aperto como se fosse uma eternidade.
Uma eternidade débil e adormecida.
É por isso que criamos, é por isso que gritamos, que choramos, que amamos. Tudo isso de forma a lutar contra os "espaços em branco" da nossa vida.
Sei que provavelmente esta não é a forma mais ortodoxa de começar uma crónica...
Mas pelo menos a folha já não está em branco.

2 comentários:

  1. que profundis. A tua oratória ejaculatória é muito catita, especialmente os "em um", "em uma".

    Longa vida ao vejete!

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  2. A enumeração é a base do exemplo...
    Salve Vejete morituri te salutant!

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